Marialva Monteiro, do Cineduc/RJ, Célia Catunda, da TV Pinguim, e Luiza Lins, da Mostra de Cinema Infantil, pioneiras do cinema voltado para a infância no Brasil, se reuniram hoje (1), no Encontro Nacional do Cinema, no Cinema do CIC. A atividade que abriu a programação adulta da Mostra de Cinema Infantil contou ainda com a participação de Risla Miranda e Luciana Rodrigues, representantes do Ministério da Cultura, para o lançamento da 62ª Edição da Revista Filme Cultura. Infância, Cinema e futuro é o tema da publicação.
A diretora da animação “Peixonauta – O Filme”, cuja pré-estreia ocorreu na Mostra, assinalou que a falta de destaque dos filmes para a infância é resultado de fatores como a não formação do público para estruturas narrativas diversificadas, e principalmente, pela falta de investimento em distribuição. Segundo ela, as poucas distribuidoras priorizam filmes comerciais, especialmente aqueles com narrativa e estética televisivas. “Foi muito bom ouvir os diferentes lados. Saio com um ponto de interrogação: qual o caminho viável para a produção de cinema infantil brasileiro? O mais curioso é que temos um mercado muito forte, dá para ver na produção para televisão. Por que não conseguimos o mesmo espaço no cinema?”, questiona Célia.
O lançamento de Peixonauta nas telas do cinema está previsto para dezembro. “Vamos lançar fazendo o máximo possível para mudar a história dos filmes para a infância. Esperamos que as distribuidoras mudem esse olhar”, afirma.
Curta na escola
“Como competir com o filme da mulher maravilha que está em todas as salas?” questionou Marialva, que há 40 anos fundou o Cineduc/RJ, organização dedicada ao ensino da linguagem cinematográfica para crianças e jovens. A educadora falou sobre a importância do cinema para a infância feito no Brasil como forma de resistência aos estereótipos e valores introjetados pelos filmes estadunidenses e europeus, que há anos dominam o mercado cinematográfico na América Latina. “A visão desses países está muito presente na linguagem visual que estamos assistindo”.
Marialva criticou a demora na regulamentação da Lei 13.006, sancionada em 2015, que dispõe sobre a exibição de curtas nacionais integrada à proposta pedagógica das escolas. “Até hoje estamos na etapa zero. Apesar da lei, a regulamentação ainda não está estruturada”, afirma.
A diretora da Mostra de Cinema Infantil lembrou que o festival está presente em 120 municípios no Circuito Estadual do Cinema que leva curtas nacionais para escolas e organizações do interior de Santa Catarina. “A exibição é importante, porque amplia o repertório e conhecimento das crianças. Precisamos exibir para crianças antes que comecem a produzir, para que realizem materiais de qualidade, e fujam da reprodução dos conteúdos que assistem na TV aberta”, argumenta.
Segundo Risla Miranda, coordenadora de Articulação de Políticas de Cultura e Educação da Secretaria da Cidadania e da Diversidade Cultural/Minc, a equipe busca traçar um debate profundo acerca de como vai funcionar a exibição de filmes nas escolas e sobre o qual papel do Governo Federal nesse processo de adequação. A representante acredita que a implantação vai exigir uma atuação conjunta com o Ministério da Educação (MEC). “Vamos formar um grupo de curadoria com o cuidado de não ‘pedagogizar’ os filmes. Não queremos utilitarismo, não é isso que o cinema é. Precisamos pensar em como integrá-lo à proposta pedagógica”.
De acordo com a coordenadora, a ideia é que haja convocação pública para seleção dos filmes. “Precisa haver um cuidado com a distribuição e estrutura da escola. Não basta colocar o filme na TV, é necessário criar o espaço para a exibição”.
O edital Curta Criança teve origem em 2003 e, até 2013, foram lançados outros sete editais, que permitiram a produção de 125 curtas. Luciana Rodrigues, da Secretaria do Audiovisual/ Ministério da Cultura, afirmou que está previsto o lançamento de pelo menos cinco editais de cinema neste ano. No próximo ano serão lançados dois editais: Curta Criança e outro para longa de animação. “Queremos saber o que a categoria considera prioridade. Por isso a importância de encontros como esse para considerar a realidade vivida pelos/as realizadores/as”, assinala.
Em sua fala na abertura do encontro, Rodolfo Pinto da Luz, presidente da Fundação Catarinense de Cultura (FCC), anunciou que o edital do Prêmio Catarinense de Cinema – prestes a ser lançado – será o maior já oferecido pelo governo. “Estamos investindo para que esse público cresça e seja impulsionador da transformação da sociedade”, declara.
Revista Filme Cultura
Depois de uma pausa de quatro anos, a Revista Filme Cultura teve sua 62ª edição retomada. Conforme Luciana, que também integra a Comissão Editorial da publicação, a revista sofreu várias interrupções e, ao pensar na retomada, foi necessário redefinir seu conceito. “Decidimos trabalhar com revistas temáticas. Entendemos que nessa retomada era preciso desenvolver o senso crítico, trabalhar e fortalecer o primeiro dos públicos: a infância como um link entre cinema e futuro”, explica.
“Tenho toda coleção da Revista Filme Cultura. Fiquei emocionada ao abrir a revista e ver a Mostra em destaque. Todas nós que trabalhamos com cinema infantil fomos contempladas. Fizeram uma homenagem pra gente”, comemora Luiza.
Protagonismo das mulheres
“É um alento surgir tão naturalmente uma mesa só de mulheres. Sabemos quão machista e misógino é esse meio. A temática infantil sendo protagonizada por mulheres não é por acaso. E isso não se justifica pelo mito da maternidade, mas sim porque está atrelado à nossa preocupação com o futuro”, defende a diretora catarinense Cíntia Bittar durante o debate.
A realizadora, que participou ativamente da Mostra em várias funções antes de ser tornar cineasta, concorda com a visão de Luiza em relação ao destaque nacional que Santa Catarina está ganhando no cinema voltado à infância. “Acredito que se existe um lugar que vai ganhar esse selo de polo do cinema para infância, esse lugar é Santa Catarina. Essa vontade é natural do estado, tem tudo para seguirmos nesse caminho”, destaca.
Texto: Paula Guimarães