Mayana Nunes (AM), Anderson LadoBeco (SP) e Roselete Aviz (SC) participaram da Conversa do terceiro dia do 10º Circuito de Cinema Infantil
A Conversa “Descolonizando olhares” realizada na tarde de quarta feira (16) no 10º Circuito de Cinema Infantil deixou todos emocionados. Com uma gama de referências de intelectuais negros e indígenas, os convidados compartilharam histórias e saberes pessoais que, colocados em prática por professores, podem contribuir para uma educação antirracista. Participaram do debate a antropóloga Mayana Nunes, o educador e cineasta Anderson LadoBeco e a doutora em educação Roselete Aviz.
Logo no início da Conversa, Mayana Nunes explicou os perigos de contar uma história única. Entre citações da escritora Chimamanda Ngozi, a antropóloga chamou atenção para o fato de que ouvir só um lado da história contada, primordialmente, por brancos faz com que as pessoas achem que só existe aquilo. “Essa história única foi imposta a partir do processo de colonização europeia. Foi um processo extremamente violento, não só por conta do genocídio dos indígenas e pela escravização dos negros, mas também pelo epistemicídio, que é a destruição dos processos de produção de conhecimento, de espiritualidades, da cultura e saberes desses povos. Porque quando o corpo físico morre, morrem também os saberes desse povo”, afirma.
Mayana reforçou o fato de que tudo que conhecemos é o que nos referenciamos na vida e que isso se inicia na educação infantil. O que é ensinado nas escolas até hoje apaga a história e invisibiliza esses povos. Para ela, os professores devem sempre se questionar no momento de repassar essas histórias. “Que reconhecimento é esse que chega até nós? Quem é reconhecido como produtor de saber? Quem está no centro do conhecimento e quem está fora da produção de conhecimento? Porque aquilo que conhecemos e que temos acesso não são neutros. Conhecimento e poder estão fundamentalmente relacionados entre si”, indaga.
Mayana que é uma mulher negra compartilhou uma história pessoal ao relatar a exclusão na infância por não se ver representada em nenhuma área e relembrou o fato de até na Universidade não ter tido acesso a intelectuais negros, não porque não há representantes, mas porque a grade curricular do curso exaltava franceses e americanos. A antropóloga concluiu sua fala afirmando que, “descolonizar olhares é possibilitar referências de mundo, é dar voz, mas mais do que isso, é ouvir a voz de quem está às margens”.
Representatividade no audiovisual
Anderson LadoBeco (SP) se vê antes de tudo como educador do que cineasta e esse pensamento vem muito do que ele mesmo coloca em prática nos filmes produzidos por ele, disponíveis no canal LadoBeco e Senzala Filmes. Com personagens majoritariamente infantis encenados por crianças, as obras trazem à tona questões raciais e machistas do cotidiano das pessoas. Durante a Conversa, Anderson fez questão de exibir trechos de filmes autorais como “A Rua é Pública”, “Zaga de Bonecas” e “Você não pegou por engano?”.
“Comecei a pensar que meus filmes tinham que expressar esse tipo de reflexão que acontece no nosso cotidiano, como o racismo velado. Essa é uma maneira de falar desses temas com crianças e jovens porque o preconceito é visto só quando há uma fala direta, mas tem diversas atitudes racistas que não precisam ser faladas”, disse Anderson.
O educador que também é negro relembrou a infância em que foi vítima de racismo na escola. Para ele, descolonizar olhares é olhar para a outra versão que existe em uma história. “Se duas crianças discutem, elas conseguem inventar questões tão distintas sobre a briga. Por que, em meio disso tudo, a gente escuta na escola só uma versão das guerras, por exemplo? Porque a gente só conhece uma versão da história”, afirmou.
Pensar a educação como prática da liberdade
Para a doutora em educação Roselete Aviz (SC), a maneira mais justa de descolonizar olhares é compartilhar histórias pessoais. “Eu sou catarinense, nasci em um lugar considerado germânico, a cidade de Joinville que é a história contada até hoje. Eu passei a infância inteira com o cabelo preso e só com 23 anos eu soltei a cabeleira porque até ali cabelo como o meu não era um cabelo bonito”, contou.
O não pertencimento na região sul é real e sentida até hoje por Roselete. “A invisibilidade da população negra do sul é tão impregnada na gente que é muito comum que as pessoas quando me veem, perguntam: você não é daqui, né?”, revelou.
Durante a Conversa, Roselete citou autoras negras como Bell Hooks que escreveu obras fundamentadas em Paulo Freire, o patrono da educação no Brasil e no mundo. “O principal é pensar a educação como prática de liberdade e isso é feito pela tomada da palavra, a importância do ouvir. O espaço da educação é esse lugar que continuamos (pessoas negras) objetos, temos que entrar na luta como sujeitos, é impossível fazer isso se não se fala”, esclareceu.
A doutora em educação concluiu a sua fala com dicas para encorajar a fala: “Podemos começar contando histórias, compartilhando histórias pessoais. Os estudantes e os professores podem também contar suas histórias e também precisamos valorizar a imaginação. Esses elementos fundamentais de aprendizagem ajudam a nos conectar com o mundo para além da identidade que é sair do nosso espaço privado para criar espaços de resistência”, concluiu.
Assista ao debate completo:
📌De 14 a 19 de junho, o 10º Circuito de Cinema Infantil tem na programação filmes, oficinas de audiovisual e debates. É dedicado a educadores e educadoras e interessados em cinema e educação.
Saiba mais em www.mostradecinemainfantil.com.br/circuito