Com mais de 30 filmes no currículo, o pernambucano Wildes Sampaio estreou como diretor de cinema infantil quando tinha apenas 12 anos. Foi durante a sexta série do ensino fundamental que surgiu a ideia de criar o primeiro filme. Wildes transformou “o que era para ser um simples trabalho de escola”, em um curta-metragem didático sobre os perigos da dengue. E nunca mais parou de produzir, sempre com foco no público infanto-juvenil. Hoje, aos 22 anos, o cineasta comemora o reconhecimento pelo seu trabalho: em 2009, ele participará pela primeira vez de festivais internacionais na Argentina e na Turquia.
Idealizador do Cine Sertão, projeto que visa difundir o audiovisual no sertão nordestino, promovendo exibições de vídeos, oficinas e concursos de redação para jovens e crianças, Wildes vai contar sua experiência na 8ª Mostra de Cinema Infantil de Florianópolis. No domingo, 28 de junho, às 17h30, no Teatro Governador Pedro Ivo, ele mostra curtas produzidos por jovens e crianças de Pernambuco e conversa com o público.
Na entrevista a seguir, o jovem diretor fala mais sobre seus projetos, a opção pelas crianças e as dificuldades de trabalhar com cinema infantil no Nordeste.
Site da Mostra – Você iniciou sua carreira no cinema muito jovem, aos 12 anos. Como você avalia a sua trajetória nestes 10 anos de produção audiovisual?
Wildes Sampaio – Quando comecei eu não tinha muita ideia da complexidade e da dificuldade de se produzir um projeto audiovisual. Quando a gente é criança, acredita que tudo é possível. E quando a gente acredita, realmente as coisas dão certo! Tem que ter, além da fé, certeza de que as coisas vão dar certo. Também tem que haver amor no que se faz e claro, um forte objetivo, uma causa pra lutar! Foi assim que tudo começou, com um trabalho de escola. Foi aí que eu descobri o diferencial e a maravilha que era o mundo audiovisual. Foi tão natural quanto uma brincadeira. Normalmente, quando somos criança, levamos as brincadeiras muito a sério. Então nós juntávamos a turma, dividíamos as tarefas e caíamos em campo para produzir.
No ano seguinte eu já mobilizava várias turmas da minha escola, em seguida toda escola, depois várias escolas, depois a cidade, as cidades, as microrregiões, as regiões e por aí vou indo. Acredito que as coisas vão acontecendo naturalmente em ordem crescente por não perdermos de vista nosso foco principal. Meu sonho é fazer um desenho animado com crianças da África, mostrar pra elas como é simples e ao mesmo tempo fantástico descobrir que tudo pode acontecer da nossa força de vontade e dedicação. Às vezes só precisamos de um estímulo, de espaço e que não nos atrapalhem.
SM – Como você viabiliza suas oficinas e vídeos?
WS – Todos esses 30 filmes que carrego na bagagem são frutos de projetos socioeducativos que utilizam o audiovisual como ferramenta de transformação e motivação das crianças e jovens envolvidos. Existe uma necessidade enorme em se produzir, sobretudo no interior do Nordeste. A auto-estima do povo é baixa, tudo que vem de fora é melhor do que pode ser feito lá dentro. Será mesmo? Esse conceito existe até o momento em que nada é produzido. Quando um grupo de crianças realiza o primeiro desenho animado da história de uma cidade, toda cidade se enche de orgulho, fica feliz. Essa felicidade toda é transformada em coisas positivas.Apoios, espaços na mídia, parcerias, mostras, festivais, prêmios, é assim que o trabalho repercute por muito mais tempo do que um mero produto comercialmente (estrategicamente) produzido pra crianças. Quando o desejo é coletivo, quando todas as esferas da comunidade aprovam o projeto é porque sua necessidade de realização é legítima. É dessa forma que fica fácil viabilizar as ações. Primeiramente temos que pensar nas necessidades das pessoas e todo o resto é engrenado.
O mistério do menino do mar, uma das produções
SM – Por que escolheu trabalhar com crianças e adolescentes?
WS – Eu comecei criança. Se foi absolutamente possível que eu dirigisse um filme aos 12 anos, porque uma criança de hoje – com muito mais informação digital – não pode brincar de ser cinegrafista e gravar um filme em Fernando de Noronha? Este é o caso do Felipe e do André. Com 11 anos eles gravaram um filme de 41 minutos chamado O Mistério do Menino do Mar. Porque uma criança não pode aprender e produzir um desenho animado? E se era fácil fazer sem instrutor algum da área, mas com muita força de vontade, porque não ter um material de excelente qualidade audiovisual feito com crianças que, em troca, recebem oficinas pra lá de especiais? Pra mim é mágico saber que aquele ator de Petrolina, Danielzinho Itabaiana, que interpretou um sanfoneiro num filme do Cine Sertão, já se apresentou no Festival Internacional da Sanfona. Saber que o esforço do ator Paulo Pereira (17anos), de Salgueiro, já lhe levou pra apresentações teatrais na Europa.
E que Elielson, depois de interpretar um fotógrafo no filme João de Barro, decidiu investir na carreira de diretor e já produziu dois curtas por conta própria. É por essas e outras notícias que virão, e que tanto me envaidecem, é que eu adoro trabalhar com crianças e jovens. São os elos que se criam em meio a tantas dificuldades que cada projeto encontra no caminho. No nosso set não tem brigas, gritos, tensões. Tem profissionais, professores, pais, mães, tios, tias, irmãos, amigos. A amizade é a nossa religião.
João de Barro trouxe mais experiência
SM – Como é fazer cinema infantil no Nordeste e quais as dificuldades?
WS – O Nordeste como um todo enfrenta muita dificuldade. Sobretudo social. Pernambuco é um pouco diferente. Aqui a cultura é efervescente. Seja nos ritmos, na gastronomia, nas danças, literatura. E com o cinema não é diferente. A diversidade cultural pernambucana faz desse estado uma “nação cultural”. O Governo tenta mudar essa realidade. Existem muitos editais para cultura em geral e um grande destaque para o audiovisual. Então, do grande produtor ao jovem iniciante que apresenta boas propostas, o apoio e espaço é garantido. Se pensarmos no Brasil como um todo, quase nenhum estado ou produtora se destaca, afinal 80% dos recursos de editais nacionais são despejados no Sudeste. Isso não é justo, pois a partir do momento em que se investe, há incentivo, cria-se o interesse, o hábito, a cultura de produção. O Banco do Nordeste tem ajudado muito nisso. Recentemente lançou edital junto ao BNDES para projetos culturais no Nordeste.
As prefeituras, muitas delas ainda tem uma visão político-partidária de quem faz cultura. Se você não é do partido, não tem apoio. Isso é uma lástima. E quem pensa diferente acaba ganhando enorme destaque. Nossos projetos de artes plásticas, desenhos animados e cinema envolvendo crianças de Salgueiro, já atraíram diversos prêmios para o Município, entre eles o Selo Unicef Município Aprovado, que avalia investimentos em cultura, educação entre outros índices de desenvolvimento. Acho que dificuldades sempre vão existir, a diferença é que a gente aprende a cada novo projeto. Então os projetos melhoram, crescem e surgem novas dificuldades em esferas maiores, então não adianta se preocupar muito com isso. Tem que botar o colete salva-vidas, enfrentar tempestades, ir em frente, sem parar de remar pra um dia chegar na ilha!
E por falar em ilha… Eu estou louco pra conhecer a iluminada e bela Florianópolis!