O poeta Manoel de Barros, 96 anos de vida e 76 de palavras publicadas, brincava em um quintal maior que a sua cidade. Na época não se dava conta. “A gente só descobre isso depois de grande. A gente descobre que o tamanho das coisas há de ser medido pela intimidade que temos com as coisas. Há de ser como acontece com o amor. Assim, as pedrinhas do nosso quintal são sempre maiores do que as outras pedras do mundo. Justo pelo motivo da intimidade”, poesificou.
Manoel nasceu em Cuiabá, Mato Grosso, em 1916, mas logo passou a viver em Corumbá, Mato Grosso do Sul. Na adolescência foi ao Rio de Janeiro para estudar em um internato religioso. Mais tarde perambulou por Bolívia, Peru, Itália, Portugal, Estados Unidos. Em Nova York, fez um curso de pintura e cinema no Museu de Arte Moderna. Além de poeta, Manoel é advogado e fazendeiro – de volta ao Pantanal, assumiu uma fazenda herdada do pai. Atualmente, vive em Campo Grande (MS).
Embora tenha publicado Poemas concedidos sem pecado em 1937 e recebido dois prêmios nacionais na década de 1960, foi apenas com Arranjos para assobio, em 1980, que Manoel de Barros passou a ser devidamente reconhecido, exaltado por Millôr Fernandes. O poeta atribui essa demora da fama ao seu orgulho e à sua pouca vontade de participar de círculos literários.
Hoje, Manoel é considerado um dos maiores poetas de língua portuguesa vivos. É ganhador de dois Jabutis, o mais importante prêmio literário brasileiro, com O guardador de águas (1989) e O fazedor de amanhecer (2002). Tem mais de 20 livros publicados e em 2009 foi “desbiografado” no documentário Só dez por cento é mentira (que pode ser visto na íntegra no YouTube).
Para leigos e especialistas, a imaginação de Manoel de Barros enriquece o português. Quando criança ele, sem vizinho para roubar goiaba, “em vez de peraltagem, fazia solidão”. Aos 13, começou a escrever poesia. Em anos recentes, publicou Memórias inventadas, uma trilogia em que resgata suas “três infâncias” – além da infância propriamente dita, sua vida adulta e a velhice. Em uma das páginas, ele diz:
Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas.
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim esse atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios.