Sobre educação e audiovisual

Por Gilka Girardelo, professora do Centro de Educação da UFSC (foto)

Este ano (2013) a programação voltada a educadores da Mostra de Cinema Infantil de Florianópolis teve uma  intensidade especial – e olhem que a Mostra sempre deu muita atenção à educação. Qualquer pessoa que tenha estado no cinema do CIC nos dois dias frios em que aconteceu o Seminário Educação e Audiovisual, 8 e 9 de julho, pode confirmar isso. Acho que essa intensidade teve muito a ver com os dois ótimos documentários de longa-metragem sobre Educação que foram exibidos.

Os dois são filmes novos, que já chegaram anunciados pela propaganda boca-a-boca  e via internet entre educadores e cineastas.

O primeiro filme, A Educação Proibida, do jovem diretor argentino Germán Doin, é fruto da cultura participativa da internet, foi produzido por crowdfunding, está disponível na rede e já teve mais de 8 milhões de visualizações. Quarenta educadores de oito países da América Latina dão depoimentos criticando a educação tradicional, seu autoritarismo e conformismo, e defendendo uma educação mais humana e amorosa. Os depoimentos são entremeados por cenas de ficção em que jovens de uma escola tradicional protestam contra a educação entediante e repressora que recebem.

Os depoimentos são preciosos, e o filme é um material riquíssimo para animar debates, principalmente entre o pessoal ligado à Educação. E será que existe alguém que não tenha nada a ver com a Educação? Só por isso já teríamos de agradecer a German Doin pelos anos em que percorreu o continente de câmera a tiracolo, atrás de experiências educativas diferenciadas.

No debate com o diretor, no CIC, algumas pessoas da plateia questionaram o fato de o maior alvo das críticas no filme serem os professores – que o filme retrata muitas vezes como autoritários – sem dar tanta ênfase aos outros graves problemas que atingem as escolas. Também foi problematizada a predominância de depoimentos masculinos no filme, principalmente considerando que a maioria dos educadores são mulheres. Mas muita gente aplaudiu a escolha do tema, a variedade das linguagens, seu processo colaborativo de produção e distribuição, e a ênfase do filme na importância do amor no dia-a-dia das escolas. O filme rendeu um debate quente e oportuníssimo sobre o sentido da educação, atravessado por tensões éticas, estéticas e políticas, mostrando o poder de um bom filme para ajudar um coletivo a pensar.

No dia seguinte, foi a vez de o filme Sementes do Nosso Quintal comover a plateia. Depois que as luzes acenderam, no debate, muitas pessoas disseram que não queriam que o filme acabasse , para não terem que sair de dentro do seu encanto. Que encanto era esse? O da infância, certamente, mas também o do cinema.

Se o filme anterior apontava o que falta à educação, este celebrava uma experiência educativa feliz e inspiradora. A diretora paulista Fernanda Heinz Figueiredo, também trazida pela Mostra ao cinema do CIC, contou que passou quatro anos fazendo o filme no “quintal mágico” da instituição de educação infantil que ela própria frequentou quando criança – a veterana Te-Arte, de São Paulo.

Essa intimidade explica a absoluta naturalidade das crianças filmadas, como se a câmera fosse invisível, nos permitindo um acesso privilegiado às conversas e brincadeiras das crianças que passam suas manhãs em um espaço cheio de árvores, patos, passarinhos e lagartixas, entre os tambores rituais da cultura popular e concertos-surpresa de piano e clarinete.

Closes demorados e uma atenção paciente aos detalhes – aos olhos e às mãos das crianças, principalmente – nos ajudam a ver melhor o que elas estão pensando, fazendo e sentindo naquele lugar que é tão rico e ao mesmo tempo tão distante do consumismo. A câmera segue as crianças bem de pertinho em suas estripulias e trabalhos pelo quintal, fazendo com que de certo modo o fio narrativo das sequências seja construído por elas mesmas.

A sensibilidade da direção parece inspirada pela “pedagogia orgânica da simplicidade”, que, segundo a estudiosa Dulcília Buitoni, sintetiza a proposta educativa da escola, criada pela figura rara de Terezita Pagani.  A presença impressionante dessa mulher atravessa o filme do início ao fim, e faz com que Sementes do Nosso Quintal seja também uma homenagem a uma grande professora brasileira. Isso tem um papel importantíssimo, numa época em que tanto precisamos dar valor e visibilidade às referências admiráveis de educadores brasileiros.

Muita gente que trabalha com crianças vê todos os dias cenas inspiradoras como as que o filme mostra. Mas o que Fernanda Heinz fez é mostrá-las por meio de uma obra de arte, que assim nos toca e mobiliza ética e esteticamente, que assim nos ajuda a olhar de um jeito renovado e singular para as coisas à nossa volta.

Em resumo, Sementes do Nosso Quintal é um testemunho do valor do cinema – da arte do cinema – para nos ajudar a ver o que está na nossa frente. E não é por isso mesmo que defendemos a presença do cinema de qualidade na vida das crianças?

 



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